Um acidente pode ser, simultaneamente, de trabalho e de viação. Falamos, aqui, essencialmente dos acidentes de trajeto, também designados como acidentes in itinere. Estes eventos lesivos traduzem-se num acidente de trabalho e de viação. A maioria deste tipo de sinistros ocorre nos trajetos habituais, de ida ou regresso, entre a residência e o local de trabalho. Será, por exemplo, o caso paradigmático de um trabalhador que é atropelado quando se deslocava, a pé, para o seu local de trabalho.

Responsabilidade Prevalecente

O lesado, simultaneamente vítima de acidente de trabalho e de viação, tem, assim, o direito de ver os seus danos reparados tanto na vertente laboral como civil.

A responsabilidade prevalecente é a civil, assumindo a responsabilidade laboral um cariz subsidiário. Neste sentido, a entidade responsável em sede de acidente de trabalho, por norma uma seguradora, poderá, em sede de direito de regresso, ser ressarcida pelo responsável civil (por norma outra ou até a mesma seguradora) dos montantes que despendeu em sede de processo especial emergente de acidente de trabalho. No entanto, na prática, na maioria dos casos, só após o términus do processo destinado à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, e respetiva fixação de IPP (incapacidade permanente parcial), em percentagem, é que a seguradora / responsável civil procede à avaliação de dano corporal em direito civil e subsequente fixação, em pontos, do DFP (Défice Funcional Permanente), anteriormente designado por IPG (Incapacidade Permanente Geral).

A responsabilidade por acidente de trabalho assume, assim, carácter subsidiário relativamente à responsabilidade civil extracontratual.

Isto porque, no regime de concorrência de responsabilidades por acidente de viação e de trabalho, prevalece a responsabilidade subjetiva do terceiro sobre a responsabilidade objetiva patronal, assumindo esta última um carácter subsidiário ou residual.

Relação entre a indemnização laboral e civil

O lesado, enquanto vítima de um acidente concomitantemente de trabalho e de viação, pode exigir alternativamente a indemnização ao responsável laboral ou ao responsável civil e, até mesmo, combinar estas duas indemnizações.

Tradicionalmente, as seguradoras do ramo automóvel excluem combinar estas duas formas de indemnização, e, após findar o processo de acidente de trabalho, apenas aceitam ressarcir o que normalmente designam por “danos morais complementares”.

A relação entre estas duas indemnizações não é, assim, de cumulação, mas antes de complementaridade.

Sendo esta uma relação de complementaridade, o facto de um trabalhador / sinistrado ter sido indemnizado em sede de processo referente a acidente de trabalho não inviabiliza que o mesmo possa, também, sendo o caso, ser indemnizado por via da apólice de seguro automóvel do responsável pelo sinistro.

A (diferente) natureza dos danos

Nestes casos, não existe qualquer violação do princípio da integralidade do ressarcimento, de acordo com o qual o lesado não pode ficar numa posição patrimonial mais favorável do que aquela em que estaria se a lesão não houvesse ocorrido.

O facto de o lesado já ter sido indemnizado pela sua desvalorização profissional, não pode cercear o seu direito a ser indemnizado no plano civil. Uma vez que estamos perante danos de natureza completamente distinta, a indemnização civil não é fonte de lucro ou de enriquecimento para o lesado, não existindo, assim, uma dupla indemnização pelo mesmo dano, estes danos são intrinsecamente distintos.

Acidentes de Viação

A Ação para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho e a Ação emergente de responsabilidade civil extracontratual

Os danos decorrentes de um acidente concomitante, enquanto acidente de trabalho e acidente de viação, não se confundem, são danos distintos. O montante obtido pelo lesado em sede laboral não repara o mesmo prejuízo que este pretende ver ressarcido numa ação de responsabilidade civil.

O ressarcimento que já foi concedido ao lesado em sede de processo de reparação de acidente de trabalho visou, apenas e tão só, a indemnização pela sua especifica incapacidade profissional (IPP ou IPA).
Aquela indemnização arbitrada em sede laboral assenta, única e exclusivamente, na incapacidade profissional e, por este motivo, não obsta à indemnização do “dano biológico”, em sede de ação cível, perspetivado como dano patrimonial futuro.

Tratando-se de danos de natureza distinta será legitimo a uma seguradora do ramo automóvel deduzir, da indemnização civil, o montante arbitrado em sede de acidente de trabalho?

De acordo com os mais recentes arestos do STJ, e conforme ficou acima exposto, nos casos em que um evento lesivo, enquanto fonte de danos, tem simultaneamente natureza laboral e civil, as indemnizações a atribuir ao lesado, em sede laboral e em sede cível, não são cumuláveis, mas sim complementares até ao ressarcimento da totalidade dos danos.

Verificando-se a existência de danos distintos, o seu ressarcimento impõe-se na íntegra, sem que haja lugar a qualquer dedução do montante indemnizatório atribuído em sede de acidente de trabalho na indemnização conferida na ação cível. Na ação cível o lesado não peticiona a indemnização do dano da sua especifica desvalorização profissional, da qual já foi ressarcido por via do processo referente ao acidente de trabalho.

Por este motivo, não existe qualquer violação do princípio da integralidade do ressarcimento, de acordo com o qual o lesado não pode ficar numa posição patrimonial mais favorável do que aquela em que estaria se a lesão não houvesse ocorrido.

Conclusão

Em suma, nos casos em que um acidente se reveste simultaneamente da natureza laboral e civil, como é o caso típico dos acidentes de trajeto, os quais se traduzem num acidente de trabalho e de viação, as indemnizações a atribuir ao lesado, em sede laboral e em sede cível, não são cumuláveis, mas sim complementares.
Tratando-se de danos distintos, o seu ressarcimento deve operar na íntegra, até ao ressarcimento da totalidade dos danos, sem que haja lugar à dedução, do montante indemnizatório atribuído a título de acidente de trabalho, na indemnização a ser conferida na ação cível.

Avaliação Dano Corporal

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