Este artigo foi transcrito na íntegra do originalmente publicado no website Honnus, a 03 de Novembro de 2023, escrito em coautoria com a Dra Ana Rita Pereira.

 

Os casos de responsabilidade médica podem ser processos complexos e difíceis de provar, acabando por se prolongar ou nem chegar a julgamento.  

As pessoas lesadas podem não saber o que fazer ou a quem recorrer, sujeitando-se a um caminho que, além de moroso e dispendioso, depende de meios de prova exigentes e de difícil obtenção. 

Neste artigo vamos responder a algumas das dúvidas que surgem às pessoas lesadas, vítimas ou familiares de falecidos de suspeita de má prática profissional, desde o acesso à documentação clínica, a importância do apoio de um advogado e médico perito e alguns exemplos de erros médicos.

Em que casos falamos de responsabilidade médica?

A responsabilidade médica diz respeito ao dever de indemnizar o lesado quando existem falhas dos profissionais de saúde (por exemplo, médicos, enfermeiros) que resultam do não cumprimento das boas práticas — as leges artis. Para existir obrigação de indemnizar é necessário que o paciente sofra um dano já que sem dano não há obrigação de indemnizar.  

O erro médico pode decorrer de falhas no sistema de saúde, como a falta de equipamentos ou incumprimento dos critérios mínimos de segurança, mas também de:

Imperícia — desconhecimento ou falta de aptidão, qualificação ou conhecimentos técnicos. Por exemplo, quando um médico realiza um procedimento para o qual não está habilitado. 

Imprudência — quando um profissional de saúde assume riscos no tratamento do doente sem fundamento científico. Por exemplo, quando um anestesiologista não procede à avaliação pré-anestésica do paciente. 

Negligência — violação do dever de cuidado ou precaução. Por exemplo, deixar objetos no corpo do paciente após uma cirurgia.  

Que tipos de erros podem ser considerados?

De forma geral, os erros mais comuns são: 

Diagnóstico — desvalorização de queixas; avaliação médica incompleta; formulação de diagnóstico clínico que não corresponde à situação clínica ou escolha do método diagnóstico errado; atraso ou realização incorreta de exames complementares de diagnóstico. Por exemplo, diagnosticado uma gripe em vez de uma pneumonia que resulta na morte da criança ou não ter sido feito uma TAC cerebral num caso inicial de suspeita de AVC que resulta em sequelas de AVC. 

Escolha do método terapêutico —  atraso ou escolha incorreta de tratamentos; omissão de informação; prescrição errada ou utilização errada de medicamentos. Por exemplo, não administração do medicamento apropriado numa situação de glaucoma (aumento de pressão intraocular) resultando em cegueira.  

Aplicação da terapêutica —  atraso, não realização ou realização incorreta de tratamentos, ou intervenções cirúrgicas. Por ex. aplicação de uma prótese da anca de um tamanho e modelo não adequado ao doente com consequências para o doente.

Como é avaliada a culpa do profissional de saúde?

Para a conduta do profissional ser considerada culposa, o ato não precisa ter sido intencional. Na responsabilidade médica, a culpa também se traduz na falta de zelo e competências técnicas exigíveis no caso.  

Para reconhecer o erro, é preciso verificar se o profissional se desviou do padrão de comportamento competente que se espera, baseado na forma como um bom profissional da mesma categoria atuaria nas mesmas circunstâncias (por ex. um médico-cirurgião da mesma especialidade, nas mesmas condições e com os mesmos meios).  

Por outro lado, para existir obrigação de indemnizar é necessário que o paciente sofra um dano. Sem dano não há obrigação de indemnizar.

Que tipo de dano é mais frequente?

O dano em questão é essencialmente dos direitos à saúde, integridade físico-psíquica (como sofrimento psicológico) ou à vida que se pode concretizar em: 

• Lesões (por exemplo, cegueira após um atraso no diagnóstico)
• Doença (por exemplo, paraplegia após um AVC não tratado)
• Morte (por exemplo, uma pneumonia não diagnosticada atempadamente que resulta na morte)
• Prolongamento do período de recuperação do paciente, devido a ato médico-cirúrgico (por exemplo, uma cirurgia executada de forma incorreta que obriga a mais tempo de hospitalização.

Todas as complicações são erros médicos?

Não. Num procedimento médico podem surgir complicações, mas não significa que exista responsabilidade médica.  

As complicações são eventos com probabilidade de acontecerem, por exemplo, no decurso de uma determinada cirurgia. Podem estar descritas no consentimento informado ou não terem resultado propriamente de erro médico. Mesmo que imprevistas, não implicam, necessariamente, que o profissional seja responsabilizado.

Em todos os casos de erro médico há direito a indemnização?

Não, apenas existe direito a uma compensação nos casos em que do erro resulta um dano. O paciente, na qualidade de lesado, tem direito a ser indemnizado. O erro, isoladamente, não  é gerador de direito a indemnização, mas o dano por ele provocado sim.

Quem pode aceder à documentação clínica?

A lei portuguesa reconhece o doente como proprietário da sua informação clínica, incluindo dados clínicos, resultados de análises e outros exames, intervenções e diagnósticos. As  unidades de saúde são meras depositárias de informação e não podem utilizá-la para outros fins sem ser aqueles estabelecidos por lei.  

Nem as entidades, nem o profissional de saúde podem recusar o acesso do paciente ao processo clínico.

Como aceder à documentação?

Tradicionalmente, as entidades de saúde exigiam que teria de ser um médico (assistente ou perito) a solicitar a informação clínica (cfr. artigo 3.º, n.º 2 da Lei n.º 12/2005, de 26.11). No entanto, atualmente pela Lei n.º 12/2005; Lei n.º 26/2016 de 22/8 de 26.11 e Lei 58/2019 de 8/8, o acesso é dado ao titular dos dados clínicos, o qual, apenas se for essa a sua vontade, poderá indicar o médico pretendido que consulte essa informação.  

A entidade de saúde deve dar resposta (incluindo a sua recusa) no prazo de 10 dias. Em  casos excecionais, se o volume ou a complexidade da informação o justificarem, o prazo pode ser prolongado até ao máximo de 2 meses. 

Se o hospital ou entidade de saúde não disponibilizar toda a documentação necessária, é possível efetuar reclamação na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

É necessário um advogado quando ainda não se sabe se existe má prática?

Procurar este aconselhamento pode e deve ser feito até quando não há certezas, pois o advogado irá analisar previamente a viabilidade técnica e jurídica da queixa, fazer uma avaliação e enquadramento da situação no setor público ou privado, e ainda auxiliar no pedido da documentação.  

Posteriormente, para defender o processo em tribunal, é essencial contratar um advogado especialista nesta área.

 

 

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