A indemnização por atropelamento de menor sem que exista culpa do condutor do veículo automóvel – análise de Acórdão do TRG

A questão aqui em discussão debruça-se sobre a possibilidade de haver lugar ao ressarcimento, e consequente indemnização de um menor, no caso do seu atropelamento, estando este acompanhado por um dos seus progenitores, o qual atravessa a estrada em passo rápido e sem que, da parte do condutor do veículo que o atropela, tenha havido violação de qualquer norma de trânsito?

Dinâmica do acidente

No caso em apreço, trata-se de um menor de 11 anos que ao sair do veículo conduzido por um dos seus progenitores, que estava estacionado parcialmente na faixa de rodagem, seguiu para atravessar a via. Antes de atravessar, ele parou junto à traseira do veículo, aguardou que um carro passasse e iniciou a travessia correndo para minimizar o tempo de exposição ao trânsito, no entanto, o menor não se apercebeu da aproximação de outro veículo no sentido oposto, o qual veio a atropelar este menor.

Responsabilidade do menor

Mesmo perante a conduta de um condutor de um veículo automóvel que não violou nenhuma norma de trânsito aplicável ao momento do acidente, designadamente não excedeu o limite de velocidade permitido no local e não cometeu nenhuma outra infração, não havendo da sua parte uma conduta ilícita e culposa deste condutor, o que afastava a sua responsabilidade com base na culpa, nos termos do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, o peão / menor pode, ainda assim, ser indemnizado com base na figura da responsabilidade pelo risco.

Esta conduta do menor não configura uma falta de cuidado grave, dado que se certificou previamente de que podia atravessar, pelo que pode ser considerada conforme às exigências do artigo 101.º do Código da Estrada.

Concluindo-se desta forma, não é possível afirmar que houve uma conduta culposa ou ilícita por parte do menor.

Possível Responsabilidade dos Pais (Culpa in Vigilando)

Estando o menor acompanhado por um dos seus pais, deverá, neste caso, ser aplicada a figura da Culpa in Vigilando, ou seja, da Responsabilidade dos Pais?

A Culpa in Vigilando é uma presunção. Trata-se, neste caso, da responsabilidade dos pais pela vigilância dos seus filhos menores, mas esta presunção não se aplica a todos os menores de igual forma. No caso, trata-se de um menor com 11 anos e, portanto, não era considerado incapaz de atravessar a via sem a vigilância direta dos pais. Além disso, não havia provas de que os pais tivessem negligenciado seu dever de vigilância. Inclusivamente, um dos pais estava presente, mas não o acompanhou na travessia, o que é uma conduta normal para pais de um filho dessa idade.

Responsabilidade pelo Risco

Embora o condutor do veículo não tivesse agido de forma culposa, no caso em apreço o Tribunal reconheceu a responsabilidade pelo risco nos termos do artigo 503.º, n.º 1, do Código Civil. Essa responsabilidade decorre do facto de que o condutor tinha a direção efetiva do veículo e que o atropelamento de um pedestre é um risco inerente à circulação de veículos. A responsabilidade pelo risco não é afastada pela mera presença de uma conduta concausal por parte do lesado, desde que esta não seja a causa única e exclusiva do acidente.

Concorrência de Causalidade e o Novo Modelo de Responsabilidade

Num caso como o aquele ora em análise, foi seguido um entendimento mais moderno, que permite a coexistência da responsabilidade pelo risco com a conduta do lesado.

Este entendimento alinha-se com a evolução jurisprudencial e doutrinária, que visa proteger mais os menores como vítimas de acidentes de trânsito, reconhecendo sua vulnerabilidade e a necessidade de uma maior proteção. A tendência de focar mais na reparação dos danos sofridos pelo lesado, em vez de centrar-se apenas na culpa do lesante.

Conclusão

Na decisão do caso em apreço, o Tribunal da Relação de Guimarães concluiu pela manutenção da decisão de imputar o acidente exclusivamente à responsabilidade pelo risco do condutor do veículo. Esta decisão reflete um equilíbrio entre a proteção dos menores em situações de risco e a aplicação de um critério justo de responsabilidade, considerando a natureza dos acidentes de trânsito e a legislação aplicável.

 

Avaliação Dano Corporal

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