Poderá a lesão de um jogador profissional de futebol, ao serviço da sua seleção nacional, ser enquadrada como Acidente de Trabalho a coberto pela apólice do clube com o qual tem contrato? – análise jurisprudencial
A questão aqui em discussão debruça-se sobre a cobertura, pela apólice de acidentes de trabalho do clube com o qual mantem contrato de trabalho desportivo, de uma lesão de um jogador profissional de futebol, ao serviço da sua seleção nacional, num jogo de qualificação para o campeonato do mundo de futebol.
Enquadramento
O caso envolve um jogador de futebol profissional que intentou uma ação judicial contra a seguradora de acidentes de trabalho do seu clube, e também contra este clube, motivada pelo facto de, ao representar a sua seleção nacional, ter sofrido uma lesão. Desta lesão resultou, para o jogador, um período de ITA (Incapacidade Temporária Absoluta) e, a final, foi-lhe fixada uma IPP (Incapacidade Permanente Parcial). O processo especial emergente de acidente de trabalho foi movido contra a seguradora do clube e contra o próprio clube que empregava o jogador.
Decisão na Primeira Instância
Na primeira instância, o tribunal decidiu a favor do jogador, condenando a seguradora a pagar uma pensão anual vitalícia. A seguradora recorreu, argumentando que o acidente, por ter ocorrido enquanto o jogador estava a serviço da seleção nacional, não deveria estar coberto pelo seguro de acidentes de trabalho, pois não ocorreu sob a autoridade e direção do clube empregador.
Decisão do Tribunal da Relação
O Tribunal da Relação aceitou o recurso da seguradora, designadamente, acolheu o argumento de acordo com o qual a responsabilidade pelo acidente não recaía sobre a seguradora em virtude de o jogador, aquando da lesão que deu origem à sua incapacidade / sequela, estar a atuar fora da jurisdição do clube, num contexto internacional e ao serviço da seleção.
Recurso para o STJ
O jogador recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), argumentando que, de acordo com os regulamentos da FIFA, o clube é responsável por garantir a cobertura de seguro durante todo o período em que o jogador está cedido à seleção nacional. Assim, qualquer lesão sofrida durante jogos internacionais deve estar coberta pelo seguro de acidentes de trabalho contratado pelo clube.
A questão a decidir consistia em determinar se o acidente de trabalho em causa (ao serviço da seleção) se encontra abrangido pela cobertura do contrato de seguro celebrado entre o clube e a seguradora.
Decisão do STJ
O STJ deu razão ao jogador, enfatizando que o contrato de seguro deveria cobrir todas as atividades relacionadas ao contrato de trabalho do jogador, incluindo a participação em jogos da seleção nacional. O tribunal considerou que o clube tinha interesse direto na participação do jogador na seleção, pois isso aumentava o valor económico do atleta e trazia benefícios diretos ao clube. Além disso, o tribunal destacou que da apólice de seguro não consta nenhuma exclusão relativa a lesões ocorridas enquanto o jogador estivesse a serviço da seleção nacional, e que o risco de ocorrência de lesões era semelhante em ambas situações, i. e., quer o jogador se encontre ao serviço do seu clube ou em representação da seleção nacional.
Base Legal
No âmbito internacional, e de acordo com o art. 2.º, n.º 3, do Anexo I do Regulamento Relativo ao Estatuto e Transferências de Jogadores (regulations on the status and transfer of players), da FIFA, o clube em que o jogador está inscrito é responsável pela cobertura de seguro contra doença e acidentes durante todo o período da cedência à respetiva seleção nacional,
cobertura que deve estender-se a quaisquer lesões sofridas pelo jogador durante qualquer jogo internacional para o qual tenha sido cedido.
Já no âmbito nacional, e nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 3.º dos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), os Estatutos, Regulamentos, Diretivas e Decisões da FIFA e da UEFA, organização internacional que a FPF faz parte, constituem parte integrante dos seus Estatutos e são obrigatórios para si.
O Interesse do Clube
O clube, enquanto Entidade Patronal do jogador, tem interesse na sua participação no jogo de futebol onde ocorreu a lesão uma vez que poderia, para si, resultar proveito económico pelo facto deste atleta ser jogador internacional pelo seu país.
A representação das seleções nacionais é feita no interesse da Entidade Patronal, que retira proveitos diretos de tais participações, quer ao nível da publicidade e valorização dos direitos de imagem do jogador, quer pela substancial valorização dos seus jogadores enquanto “ativos económicos”, apenas pelo facto de serem internacionais pelos respetivos países.
Por outro lado, e uma vez que é o clube que paga o salário do jogador durante o período em que está ao serviço da respetiva seleção, a FIFA institui compensações económicas aos clubes que dispensam jogadores às respetivas seleções.
Conclusão
O contrato de seguro de acidentes de trabalho de um jogador de futebol abrange todas as lesões sofridas no âmbito da prestação de trabalho do sinistrado, a qual também incluía os jogos internacionais para os quais aquele fosse cedido (desde que devidamente autorizado pela empregadora), não havendo qualquer razão para distinguir esta vertente do seu trabalho, tanto mais que a entidade patronal tinha interesse na participação do atleta no jogo de futebol onde ocorreu a lesão, uma vez que poderia resultar proveito económico pelo facto de o autor ser jogador internacional pelo seu país.